Texto: Daniel Taddone, Conselheiro no Consiglio Generale degli Italiani all’Estero
O colapso do registro civil italiano
Denuncio há vários anos um problema que vem se agravando ano após ano. Desde pelo menos 2016, alertei, durante uma reunião na Embaixada da Itália em Brasília, que o sistema de transcrições de registro civil na Itália entraria em colapso. Mas, afinal, o que é esse tal “sistema de transcrições de registro civil”?
Todo cidadão italiano, independentemente de onde tenha nascido ou de como tenha obtido a nacionalidade, precisa estar devidamente inscrito em um dos quase 8 mil municípios que compõem o território da República Italiana. Essa exigência existe desde a criação oficial do registro civil italiano pelo Código Civil de 1865.
Portanto, toda vez que um indivíduo obtém o reconhecimento da cidadania italiana (por filiação, o chamado ius sanguinis) ou mesmo por concessão (naturalização por casamento ou residência), seu registro de nascimento precisa ser transcrito no registro civil do município italiano competente. Se ele for casado, é necessário transcrever também o casamento e, eventualmente, o divórcio.
Parece algo simples, mas, incompreensivelmente, o sistema de transcrição é o mesmo desde 1865. Não mudou substancialmente nada, além, naturalmente, do método de escrita (pena, caneta, máquina de escrever, computador). Vocês já viram o tamanho de uma certidão brasileira em inteiro teor? Pois então, o registro civil italiano precisa copiar palavra por palavra aquela certidão para o livro correspondente (nascimentos, casamentos, óbitos) na sua parte II.
E não pensem que, para fazer isso, é possível usar inteligência artificial ou algum outro recurso tecnológico, como reconhecimento de caracteres (OCR). É necessário abrir um programa de computador, colocar a tradução da certidão ao lado e copiar palavra por palavra. Um olho na tradução e outro na tela. Em média, a tradução de uma certidão de nascimento brasileira em inteiro teor contém 500 palavras. Uma de casamento, mais de 700. E o oficial de registro civil italiano precisa escrever uma a uma. Isso sem contar as fórmulas de início e fim.
Como podem ver, é um sistema pouco inteligente, refletindo elegantemente. O sistema de inscrição (não transcrição) usado por Portugal e Espanha, para citar apenas dois exemplos, é muito mais eficiente, prático e rápido.
Esse sistema precisa urgentemente mudar, mas não há absolutamente nada no horizonte que nos permita supor que algo esteja sendo feito. Só vemos reclamações por toda parte e nenhum movimento de racionalização e modernização de um sistema pensado para uma realidade de cinquenta ou cem anos atrás.
Com o aumento significativo dos reconhecimentos de cidadania, seja por via consular, presencial ou judicial, o sistema vai colapsar. Em vários municípios, já colapsou. Há casos, especialmente naqueles que enviaram muitos de seus habitantes para viver no exterior, em que as transcrições só acontecem sob demanda e depois de muitos meses — e, não raramente, apenas quando há determinação judicial.
O cidadão italiano que obteve seu reconhecimento é jogado em um limbo. Seu status civitatis, ou seja, sua nacionalidade, foi formalmente reconhecida, mas, sem a transcrição, ele muitas vezes é impedido de se inscrever em um consulado e, consequentemente, obter um passaporte ou transmitir a cidadania a seus filhos menores.
Essa situação de colapso afeta a todos, mas especialmente aqueles que obtiveram o reconhecimento da cidadania pela via judicial, pois os consulados exigem as transcrições para iniciar qualquer trâmite. Essa calamidade não se deve à incompetência de um advogado ou empresa específicos, mas ao que poderíamos chamar de “roleta-russa do bom comune”.
Alguns têm a sorte de ter como seu comune competente ou comune di riferimento (o município onde será inscrito como cidadão italiano) uma estrutura eficiente, quase sempre atribuível a um oficial de registro civil diligente, que sabe se organizar e trabalhar, apesar de salários pouco atrativos.
Infelizmente, outros não têm a mesma sorte e acabam dependendo de municípios cronicamente desorganizados, com falta de pessoal e, muitas vezes, funcionários pouco eficientes.
Pedir aos cidadãos recentemente reconhecidos que tenham mais paciência — quase sempre depois de um processo que levou anos e exigiu um bom investimento — não é nada fácil. Para os operadores do setor, a maior alegria é ver transcrições concluídas e clientes com passaporte na mão. Quem, em sã consciência, não quer concluir um caso definitivamente e poder concentrar sua atenção nos novos?
Para concluir, é importante que o neocittadino, o novo cidadão italiano, compreenda que, muitas vezes, a resolução do caso depende exclusivamente do trabalho no comune italiano, muitos dos quais têm, inclusive, ignorado decisões judiciais! A batalha pelas transcrições vem ganhando cada vez mais capítulos, mas é preciso perseverar sempre.
Daniel Taddone
Conselheiro no Consiglio Generale degli Italiani all’Estero